quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

"Eu quero levar uma vida moderninha..."

Eu tinha dezesseis, e ele já cursava engenharia. Ligava-me toda noite, do caminho de volta mesmo, para que eu não pegasse no sono antes de nos falarmos.

O xodó dele era o carro. O meu, era ele.

Hoje a gente diz que foi namoradico, mas na época, nunca nada foi assumido.

Dizem que pessoas nascidas sob o signo de escorpião são super ciumentas. Eu acho uma grande bobagem. Eu sou escorpião. E não que eu não seja ciumenta, mas o fato é que não acredito em astrologia. No meu caso, juro que é só coincidência.

Então, escorpiana (fato irrelevante) e ciumenta (esse já é relevante), tinha crises em certos dias. Nada muito grave. Alguns ataques eram até engraçadinhos. Eu era meio banana, e caía em qualquer provocação.

Para abertura do ano letivo na faculdade dele, o Ultrage a Rigor foi fazer um show. Os celulares eram grandes, monstruosos, e você tinha que entrar numa fila de espera enorme para conseguir uma linha. Ele tinha um celular. E quando o Roger começou a cantar "Ciúme", ele correu me ligar:

- Oi!
- Oi... que barulheira é essa?
- Nada... ouve isso aqui ó...

Roger cantava o refrão, quando ele, praticamente, o obrigou  fazer o celular de microfone...

Eu ria do lado de cá da linha.

Quando terminou a música, ele voltou a falar comigo. Rindo, disse que aquela era a minha canção.

Tinha um tico de verdade nisso.

Ficamos juntos por mais um tempo, depois nos separamos. Continuamos amigos. 

Ele trocou de faculdade, e começamos a estudar na mesma instituição. Íamos juntos no carro. Eu tinha um namorado chatico nesse tempo, e ele namorava outra "Jéssica". Permanecemos amigos. Desistimos desses pares.

Arrumei outro namorado, segui loba solitária. Ele construiu uma família linda, e deixou pra trás as farras de garoto.

Estamos adultos, mas carregamos nossa canção. Um segredo meu, dele e do Roger, que torna a nos visitar toda vez que toca no rádio... e que faz brotar um sorriso, daqueles que florescem das boas lembranças.

Hoje contei essa história para um amigo na volta pra casa. O rádio me forçou lembrar. Foi mais ou menos assim...











terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

"Morno"

Pinguei as cinco gotas de adoçante na xícara, e só depois percebi que não tinha café.

Que doce metáfora para a vida.

Sou dessas otimistas que confiam que sempre terá café na garrafa.

E pior que não ter o café, é ter um café morno.

E a merda é você descobrir o café morno, depois da primeira talagada.

Não vai gente... café morno não vai...

Café morno, a propósito, também é outra metáfora.




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Há que se inventar o amor

Dizem que o amor morreu. Mas eu duvido que um dia ele tenha existido.

Quando Adão reconheceu Eva, não foi amor. Foi algum tipo de carência mútua, onde os dois se faziam companhia e desfrutavam de sexo sem compromisso, já que não havia cerveja ou um baralho com cartas para jogarem truco. Aquilo nunca foi amor.

Dalila nunca amou Sansão. Cleópatra não amou Júlio César, nem Marco Antônio. Em todos esses casos, era disputada de poder, muito de vaidade. Nada, nada de amor.

Julieta nunca amou Romeu. Aquele aperto no peito que ela sentia, vinha do espartilho que acentuava a cintura. Isso a confundiu. E que fim trágico os dois tiveram.

Ao considerarmos os espartilhos, durante toda a idade média, não houve amor.

Édipo até que amou Jocasta. Mas parece que esse tipo de amor não era bem aceito pelos psiquiatras. Sorte dele ter nascido filho de Jocasta, e não de Medéia.

João não amava Teresa. E Teresa tampouco amava Raimundo. E o resto do poema segue no mesmo ritmo. Só Lili que estava certa, e admitia sem medo, o vazio do próprio coração.

Marília e Dirceu nunca se amaram.

Nem os casais que se encontraram no Tinder.

O amor ainda não foi inventado.

Há que se inventar o amor. 






quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ame Drummond

Uma semana toda, apaixonada por Drummond.

Parece que o descobri outro dia.

Talvez seja presente da idade reconhecê-lo assim, tão arrancador de delírios. A cada pequeno poema, um sorriso.

Como eu nunca percebi antes?

Amei Drummond essa semana, como o mundo ama Fernando Pessoa. E é certo que no mar de Drummond, tenha menos lágrimas. 

Para dividir meu amor, cá deixo com vocês "Necrológio dos desiludidos do amor". Porque só a poesia é cura sem prescrição médica...

Um pouco de cura, para vocês... 



Necrológio dos desiludidos do amor



Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.
Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.
Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia.
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e segunda classe).
Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles. 




sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

"Toda dor é passageira" (do tipo que passa, não do tipo que se deve dar carona)

Não se sentia ela mesma quando calçada.

Adorava a sensação dos pés no chão.

No asfalto quente, saltitava com meia- ponta, imitando uma quase dança.

Encardia os pés de propósito, só para na hora no banho, sentar no chão do box e esfregá-los com força. Nessa hora, ela dizia voltar a ter cinco anos... ah, muitos múltiplos de cinco já haviam passados por ali.

Outro dia andando na terra, teve o pé perfurado por um espinho. Mas é isso que dá quando se anda descalço... o pé acaba machucado.

Mas ela não ligava.

Ela não tinha só os pés descalços... tinha o corpo todo "descalço"...

E não tinha dor de espinho que ela não soubesse que passava.

Basta uma pinça, e um pouco de tempo.

É preciso saber da dor, pra saber que ela passa.

Toda dor é passageira...

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Amar acaba com todas as verdades que conhecemos

Ele é um homem de lata, e ela não é a Dorothy.

Em algum lugar do passado, ele entregou o próprio coração, acreditando ser uma prova de amor.

Ela, nunca acreditou que corações devessem ser arrancados do peito. Sabia que ninguém era capaz de cuidar de dois corações.

Ele corria pela estrada de tijolos amarelos com o peito rasgado. 

Ela seguia pelo mesmo caminho, sem saber o que procurar.

Num belo dia, se cruzaram.

Ela viu o peito vazio do homem de lata.

Ele, cansado de tanto correr sem um coração, só queria fechar os olhos, sem nada sentir.

Ela apaixonou-se de imediato por aquele homem de lata. 

E como primeiro impulso dos apaixonados, pela primeira vez, quis doar o próprio coração...

Amar acaba com todas as verdades que conhecemos.

Uma matemática errada, e outra verdade: "Dois corpos não sobrevivem com um só coração"