A parede do quarto, onde a cama ficava encostada, ela pintou com "tinta de lousa". Não a preta. A verde.
No criado-mudo do lado direito, ela mantinha uma caixa de giz.
Toda manhã, antes de sair (ela saía primeiro para o trabalho), escrevia poemas para ele. Poemas que ela adorava. Poemas que ele adorava. E poemas que ambos desconheciam.
Ela deixava que as palavras velassem o sono dele.
Certo dia, desenhou um jardim.
E numa manhã daquelas cinzas de outono, deixou o gajo na companhia de um grande sol.
Um mundo de possibilidades infinitas em uma parede.
E era assim que ela escrevia a própria história. Com giz.
Outra noite, dessas onde a inquietude é a mãe soberana, e onde não há chá que adormeça os pensamentos, com a impossibilidade de fazer uso do recurso da escrita na parede, porque ali outro dormia, resolveu escrever no próprio corpo.
Poemou-se.
Dormiu gente, e acordou rima.
E quando ele abriu os olhos, e começou a ler aquele corpo rabiscado, percebeu que aquilo se tratava de poesia concreta.
Deleitou-se, ele também, com as palavras.