segunda-feira, 5 de maio de 2014

Mirão, o contador de histórias

Nesse sábado, passou um filme na TV aberta baseado numa história real, sobre um menino que se torna um incrível contator de histórias.

O que me levou direto para os verões da minha infância.

Eu tive um contador de histórias.

Mirão era um cara que fazia com que todas as crianças ignorassem o sol, a praia, a piscina e as raspinhas de groselha com leite condensado. Puxava uma conversinha sentado na varanda, e em poucos minutos estávamos todos lá, em volta dele, ouvindo os "causos" de filhas "Marias" que viravam bruxa, e filhos "José" que tronavam-se lobo na lua cheia.

Mirão era nossa Sherazade do meio-dia. As mães nos recolhiam para não nos queimarmos com o "sol do câncer", e ele nos entretinha com o conversê. Muito melhor babá que Mary Poppins.

Ficávamos quietos ouvindo, e ao mesmo tempo excitadíssimos. 

O canavial era sempre cenário de grande horrores. A Bahia, terra natal do nosso Lovecraft, dava o acento no sotaque.

Tardes e mais tardes ao som da voz grossa e sorriso largo do Mestre Capoeirista por paixão, e "historinhador", por eleição. Não servia outro adulto. Tinha que ser o Mirão.

Os verões iam e vinham, junto com o tempo que ditam as estações.

Mirão, que nasceu Emílio, era hipertenso e diabético.

Numa dessas ciladas da vida, ele foi golpeado, e não teve cor de cordão que lhe desse habilidade para se defender.

Morreu aos 61 anos, sem que tivéssemos tempo e tecnologia para guardar em vídeo as histórias que nos contava.

Mas guardamos algumas no coração. Não tão bem contadas, com um detalhe ou outro faltante.

Penso na velha roda de molecada na antiga casa da tia, com olhos esbugalhados, com o coração batendo forte, prestando atenção no Mirão. Espero que essa próxima linhagem, de filhos dos filhos, possam passar ao menos um verão assim.

Que a vida seja generosa, e traga um contador de histórias para eles também.

Nem precisa ser como o Mirão. 

A verdade é que nunca haverá um outro... ele era único. Mestre, na arte da capoeira, e na arte de nos encantar.

Sentimos saudades mestre!

Todo verão! 

E nos inspire, sempre que puder...


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